Excluído no concurso público do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), de 2017, por não aparentar ser negro, segundo critérios do Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), um candidato conseguiu na Justiça o direito de retornar à seleção.
O inusitado é que, em 2015, o mesmo candidato foi considerado negro e apto a concorrer pelas cotas raciais no concurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), organizado pela mesma banca.
Esta diferença de tratamento encontra respaldo na atual norma de verificação da autodeclaração para negros, e explicita uma fragilidade na seguridade judicial das cotas raciais.
Formado em administração e sem perspectiva de trabalho na iniciativa privada, Wanderson Barreto, 34 anos, se prepara para concursos desde 2013. Em 2014 passou e tomou posse na Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), em vagas de ampla concorrência.
Em 2015, com a lei de cotas em vigor, Wanderson concorreu no concurso do INSS, nas oportunidades para negros e assim foi aceito. A Cebraspe avaliou o fenótipo do candidato a partir de uma foto e ele foi classificado, mas o concurso acabou vencendo antes de sua convocação.
Em 2017, ele se inscreveu no concurso do TRF-1, também como cotista, ao cargo de Técnico Judiciário, com lotação na Bahia. Desta vez, a mesma banca exigiu que ele comparecesse em frente a uma comissão de três avaliadores para verificar a autodeclaração. Porém, no dia 28 de março de 2018, o candidato foi informado da sua exclusão do concurso pela não adequação de sua aparência à legislação de reserva de vagas a negros.
Com a exclusão do concurso, Wanderson entrou na Justiça e o caso foi julgado na 21ª Vara Federal Cível do DF. Em sua decisão, o juiz Marcelo Albernaz mencionou que Wanderson foi aceito pelo Cebraspe em seleção anterior e que o TRF-1 já julgou, em caso para ingresso em vestibular, que “se o aluno foi considerado negro em concurso vestibular pretérito para fins de concorrência pelo sistema de cotas raciais, faz jus a mesma conclusão no certame imediatamente seguinte, sob pena de irrazoabilidade ou existência de subjetivismo na avaliação de critério…”.
Em 25 de abril de 2018, o magistrado deferiu o pedido de tutela de urgência para suspender o ato administrativo que excluiu Wanderson do concurso do TRF-1 e determinou, dentro do prazo de cinco dias, a inclusão do nome do candidato na lista de aprovados nas vagas destinadas a negros e nas vagas de ampla concorrência, respeitando sua pontuação e a ordem de classificação. Trata-se da primeira instância, portanto ainda cabe recurso.
Para Max Kolbe, advogado autor da ação, a Lei 12.990/14, que permite que candidatos negros que se autodeclararem pretos ou pardos concorram à reserva de 20% das vagas em concursos públicos, não define critérios para a análise da condição prestada pelos candidatos cotistas.
De acordo com Célio Stigert, coordenador do curso de direito da Universidade Católica de Brasília (UCB), a nova norma do Ministério do Planejamento tirou a subjetividade da autodeclaração com a inserção de critérios objetivos.
Segundo o TRF-1, as questões referentes ao certame cabem ao Cebraspe. A banca organizadora, por sua vez, afirma que os candidatos são submetidos a regras previstas nos editais de abertura dos concursos públicos e que eles diferem entre si.
No caso do concurso do INSS o edital previa a autodeclaração de que é preto ou pardo, conforme quesito utilizado pelo IBGE, e a posterior verificação da declaração através de foto. Já o concurso para o TRF 1ª Região previa a verificação presencial.
Em abril de 2018, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) publicou a portaria normativa nº 4, de 6 de abril de 2018, que determina a heteroidentificação nos concursos públicos, a fim de complementar a autodeclaração dos candidatos negros, por uma comissão de avaliadores.
O novo procedimento deve estar previsto em todos os editais de concursos públicos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. A autodeclaração goza da presunção relativa de veracidade, que será confirmada mediante heteroidentificação. Em caso de dúvida razoável, prevalecerá a autodeclaração.
Segunda a norma, serão eliminados do concurso os candidatos cujas autodeclarações não forem confirmadas pelo procedimento.